Thursday, April 13, 2006

Não há canto deste mundo que não espelhe a verdade; todas as coisas o são apenas na minha presença. Como explico que na televisão se apanhem vislumbres de uma Torre Eiffel, se eu nunca sequer fui a Paris? Na presença da minha indisponibilidade física para fazer existir o aglomerado de metais, acento a que uma caixa mágica me transporte e me faça desligar a distância que vai entre o pensar e o agir. Fico-me absorto: ávido consumidor de felicidades embaladas, no fundo, anestesiadores disfarçados de brilhante - e assim eu durmo, acordado.
A certeza de que há um mundo que conspira contra mim torna-me frívolo e apagado. Choro as mortes que não vejo, e que nenhuma caixa mágica faz existir; choro as guerras de quem se diz igual a mim e de quem sobre a presença acento em inexistência. Mas choro mais. Longe doutras caixas mágicas, não de cores mas de sons, acento a que nesse escuro vazio que te priva o céu aberto assim te fiques inconsolável; como eu desacreditada de que há ainda um papel para prencheer. Choro isto. Choro a demência de vestir a máscara de ser assim... incapaz.
As conclusões de um mundo vazio de nada servem se não forem desafiadas, porém. Como consolo resta-me a vaidade de poder desmistificar a mais pequena conveniência: há um campo de amplitude que torna a acção humana no maior handicap para o universo - contrariar isto é afirmar que os deuses afinal existem: divina é a criação.
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O entorpecimento é senão a arma que eles usam. Eles, que andam por aí. E é assim que eles ceifam as tuas almas, de cada vez que tu renasces.
Mas há uma forma. Uma ténue e fugaz esperança de que se te agarrares ao teu mais pequeno desejo, e com rigor apliques a conduta que te é (dizes tu) impossível, consigas chegar ao ponto em que os enganas e te tornas tu o oposto a esses ceifadores de almas, e te encarregues de as fazer crescer ao ponto em que se possam afirmar livres; livres de ser livres.
Não é fácil...

Thursday, March 23, 2006

nada mais

o que é?
que sinto eu?

um ranger de dentes no bater descompassado da lembrança vil que me faz ser o que não quero

(estar aonde não estou)

e no meio fecho os olhos
deito ao papel as mágoas
que não demonstro no lá fora

Thursday, March 16, 2006

Não vale a pena lutar

Um dia, abres os olhos, acordas e percebes que aquilo que achavas do mundo não és mais capaz de o sentir. Sentes uma leve comichão a subir pela barriga acima e quando te tentas levantar ela espeta-se aguda na base da tua nuca, impossibilitando-te qualquer movimento. Ainda tentas lutar, mas quanto mais o fazes, pior fica a tua situação. As dores tornam-se tão fortes, a cada nova tentiva, que resolves parar de te esforçar, guardar as tuas energias. Recostas-te novamente para trás, deixando que a comichão na barriga ali crie o seu ninho.

Friday, March 10, 2006

Da Natureza

Subitamente, após um raio eloquente da Natureza, invadi-me de paixão, paixão por Ela, verde como um abacate maduro, inverosímil como um advogado da função pública do Céu divino.
Transformei-me em porcelana para não mais ser indiferente a um olhar oco, para ser contemplado como algo belo por fora, uma máscara ao vácuo que provinha de dentro.
Pela paisagem de um raio à beira dum mar intransigente e enraivecido, contemplei algumas estrelas que brilhavam só para mim, passei por uma réstia de vento esbaforido, gritei ,num Ar desprezado e fundamental, pela beleza das águas, no mundo que ninguém percebe, na Terra dos homens deitados que mesmo assim contemplam o que vêm em frente, não ligando ao que os rodeia, influenciados por uma floresta de cimento indiferente.
Invoquei a Liberdade quando precisei dela, quando vi nos outros a falsa essência da perfeição e do belo. Lembrei-me assim do amor esquecido, agora lembrado. Amei a Natureza dez mil vezes mais que amo o meu Ser, agora esquecido.
Cantei os olhos verdes da Natureza que permanecem fechados. Terá que ser a nossa raça indigna a mergulhar no mar da incerteza. Teremos de ser nós a preparar uma vida livre e musical a quem de nós herdará o som da obra prima que é a Natureza corrompida.
Sorridente me vi ele até abrir as janelas da alma e acordar. Taciturno e obscuro morrerei enquanto desperto, ansiando por um Paraíso nas árvores.